Investimentos: Uma visão mais ampla

O desenho das políticas de investimento dos fundos de pensão para 2017 deve levar em conta o delicado equilíbrio entre expectativas macroeconômicas domésticas ligeiramente melhores e a cautela no ritmo com que o risco poderá ou não ser incluído nas carteiras. Fatores como a instabilidade que ronda o ambiente econômico global – grande liquidez em cenário de juros negativos – assim como os fundamentos políticos e econômicos que ditarão o rumo dos mercados no Brasil são apontados pelos especialistas como essenciais nessa análise. “O clima está um pouco melhor do que era no início do ano no mercado doméstico, com a rentabilidade das carteiras das EFPC mais próxima de suas metas atuariais, um avanço diante do cenário de pessimismo crescente”, avaliou o sócio da Aditus Consultoria Financeira, Guilherme Benites, que participou do seminário sobre O Desafio da Gestão de Investimentos dos Fundos de Pensão, promovido pela Abrapp em São Paulo nas últimas terça e quarta-feiras (16 e 17). Ele lembra, entretanto, que a bolsa a 60 mil pontos não significa que tudo vá bem na economia real.

Ao analisar as perspectivas da renda fixa, Benites observa que esse mercado passará por mudanças expressivas daqui para a frente, exigindo maior atenção dos gestores. “As NTN-Bs ainda devem representar uma oportunidade de retornos importantes para as fundações que construíram essa estratégia no passado, mas isso também significa uma perda de mobilidade para as políticas futuras”. O segmento de renda fixa, aposta Benites, deverá começar a buscar novos produtos e maior gestão de risco de mercado.

O mercado de crédito privado ainda está longe de retomar o espaço que chegou a ter antes da crise, diz Benites, até por conta de um ambiente corporativo em que o número de recuperações judiciais é preocupante. “Esse mercado hoje não é suficientemente atrativo para recuperar o tamanho que já teve no patrimônio da fundação até 2012”, ressaltou o diretor de Investimentos e de Patrimônio da Funcesp, Jorge Simino, durante painel sobre as perspectivas de investimento em renda fixa. A carteira de crédito privado da entidade, que chegou a representar 9% do patrimônio, recuou para 6% e não há horizonte para crescer tão cedo. “Começamos a reduzi-la por conta do fechamento das taxas, em 2012, mas hoje a dificuldade não é tanto de taxas e sim de risco, que ficou maior diante das recuperações judiciais em curso além das “concordatas brancas”, acordos entre as empresas e os bancos credores”, diz Simino.

Em busca de consistência - Ao avaliar o cenário, Simino alertou para o fato de que é preciso levar em conta mais do que a mera movimentação de mercados por conta de fatores políticos locais: “Os analistas estão concentrando foco nos eventos extra-econômicos internos brasileiros, mas isso tem um peso de no máximo 30% no rumo dos acontecimentos; os fatores econômicos externos são responsáveis por 70% ou 75% do que ocorrerá nos mercados”. A incerteza gerada pelo cenário de juros negativos e o impacto que uma eventual implosão dessa situação anômala poderá ter sobre a política monetária dos EUA, por exemplo, é uma das principais incógnitas. “Não dá para falar em tranquilidade diante do alto poder de destruição de valores que as políticas do Fed (banco central dos EUA) representam e das incertezas que pairam sobre as diversas economias do mundo, a começar pela China”, alerta Simino. Com um volume de crédito equivalente a 380% de seu PIB, a China continua a ser o grande dilema global.

No âmbito doméstico, ele pondera que não há mudanças macroeconômicas consistentes para dar tranquilidade a uma eventual diversificação. “Continuamos com a carteira mais focada em NTN-Bs na ponta curta, o único tipo de alocação que mostra uma relação risco/retorno consistente no atual cenário, consistência que ainda não se encontra na ponta longa nem nos ativos reais”, afirma Simino.

ETF e transparência - O lançamento dos primeiros ETFs (fundos de índices com cotas negociadas em bolsa) de renda fixa, que poderá ocorrer ainda em 2016, deverá ter um impacto positivo para esse mercado no Brasil, ao ampliar a transparência na formação de preços e estimular a liquidez nas operações de renda fixa. “Os ETFs de renda variável já estão consolidados no Brasil, embora não tenham crescido nos últimos anos diante de uma conjuntura em que as estratégias de renda variável dos investidores institucionais encolheram”, explicou a coordenadora do Sub Comitê de ETFs da Anbima, Tatiana Greco, uma das palestrantes. Para os produtos de renda fixa, entretanto, o potencial de expansão é grande.

O projeto brasileiro contará com o patrocínio de BNDES e Banco Mundial, lembra Tatiana, até porque esses fundos funcionam como uma referência para os preços dos títulos públicos e isso ajuda a fomentar sua liquidez.

Renda variável e seletividade – O ambiente de juros muito altos, que inibe as análises sobre alocação em renda variável, começa a mostrar sinais mais otimistas, acredita o gestor de Renda Variável da BRAM, Luís Guedes Ferreira da Costa. As políticas das EFPCs para 2017 já poderão ser preparadas nesse ambiente melhor, aposta o gestor. “Acreditamos que a economia brasileira já passou pelo pior e questões como por exemplo a reforma da previdência deverão melhorar ainda mais as perspectivas”, diz Costa. Quanto ao cenário internacional, de liquidez alta e juros negativos, ele admite que é de fato uma anomalia macroeconômica mas, como ninguém sabe até quando isso poderá continuar, o melhor é aproveitar o momento: “Para quem precisa de recursos, como o Brasil, o dado mais importante é que a liquidez global deve continuar forte em 2017 e a bolsa brasileira, até por falta de boas histórias lá fora, está atraindo estrangeiros”, afirma o gestor.

A seletividade das empresas e a diversificação de estratégias fará diferença daqui para a frente no mercado de renda variável, observa Costa. Para a diretora executiva da MSCI, Paula Daudt de Faro Salamonde, que participou do debate, a volta da renda variável aos portfolios das EFPC deverá ganhar relevância e, dentro do modelo seguido pelo mercado global, deverá valorizar estratégias como a de “Fatores” (“smart beta”). “Fatores refletem as estratégias e são, portanto, adequados para o momento brasileiro, que exigirá muita seletividade na hora de tomar decisões de alocação nesse mercado”, avalia Paula.

Imóveis - Depois de completar oito trimestres em recessão, o mercado de imóveis comerciais pode ter batido no fundo do poço mas, ao invés de iniciar em breve um movimento de recuperação, tende a permanecer “de lado” durante algum tempo. A conclusão é do professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Paulo Picchetti, que apresentou durante o seminário o cenário capturado pelo IGMI-C, índice de rentabilidade do mercado brasileiro de imóveis comerciais, desenvolvido pela FGV em parceria com a Abrapp. Ainda que algumas sondagens apontem sinais favoráveis no ambiente macroeconômico, Picchetti lembra que a base de comparação ainda é muito fraca e os dados não apontam para uma recuperação rápida da economia brasileira como a que ocorreu na saída da crise financeira global de 2008. “Determinados fatores políticos precisarão infuenciar a perspectiva de crescimento econômico, de modo a que isso tenha reflexos sobre o retorno dos imóveis comerciais, mas isso ainda vai levar algum tempo”.

A análise da rentabilidade nos últimos dois anos mostra que, na comparação trimestre a trimestre, o retorno proporcionado pela renda dos imóveis comerciais ficou relativamente estável, com uma baixa suave, enquanto o retorno do capital vem caindo de modo mais sensível. Houve inclusive uma baixa nominal de preços no segundo trimestre deste ano, com imóveis apresentando queda em seu valor de face. O retorno negativo médio foi de 0.01% no segundo trimestre de 2016, primeiro resultado negativo desde o início da série histórica do IGMI-C, no ano 2000.

Apesar dos fundamentos ainda muito desfavoráveis no que diz respeito aos investimentos diretos em imóveis, os veículos financeiros que carregam ativos lastreados em imóveis comerciais tem surpreendido com resultados atrativos, lembra Francisco de Augustinis, membro da Comissão Técnica Nacional de Investimentos Imobiliários da Abrapp. Um exemplo são os fundos de investimento imobiliário que compõem a carteira do IFIX, índice da Bovespa que tem registrado valorização crescente. “No mercado físico, porém, a renda tende a diminuir expressivamente, até porque o mercado está sendo impelido a rever contratos de todos os tipos e essa redução acabará por influenciar as avaliações dos imóveis este ano”, diz Augustini. Uma alternativa para para os fundos de pensão nesse ambiente, sugere o gestor, será utilizar os veículos financeiros com lastro imobiliário para fazer arbitragem, aproveitando as diferentes dinâmicas de precificação dos diversos produtos. Atualmente, os investimentos diretos em imóveis respondem, na média, por 5% dos ativos nas carteiras das EFPC, ainda abaixo do limite legal de 8%.

Classes de ativos – Um olhar para as classes de ativos importantes em que os fundos de pensão ainda estão subalocados permite visualizar estratégias de diversificação que poderão ser relevantes nas próximas políticas de investimento, explica o sócio responsável pela Vinci Gestão de Patrimônio, Fernando Lovisotto. A partir da percepção de melhores expectativas macroeconômicas, a diversificação será cada vez mais relevante para que os planos de benefícios gerem ganhos reais acima de 6% ao ano. “Considerando uma possível melhora de fundamentos econômicos no Brasil mais adiante, será fundamental ter uma carteira diversificada e bem balanceada ao longo do tempo”, diz Lovisotto. Ele lembra que o CDI não pode ser uma alocação perene e no futuro não irá garantir recursos suficientes para pagar as aposentadorias. As NTN-Bs para vencimento em 2024 com taxas de 5,8% a 6% ainda representam uma boa oportunidade mas há sinais de que essa situação não será sustentável por muito tempo.

O sócio responsável pela área Institucional da Vinci Partners, Marcelo Rabbat, lembra que o Brasil conta com reservas de aproximadamente US$ 370 bilhões e um saldo de conta corrente bem arrumado ao longo dos últimos anos, então não faz sentido manter o juro nominal em 14,5% ao ano por mais tempo. Além disso, o juro nominal negativo no mercado global provoca uma série de distorções graves na economia mundial, um ambiente em que “até elefante pode voar”, observa Rabbat. Isso, entretanto, tem produzido a migração de recursos de vários países para o Brasil no momento, o que estimula os mercados.

As duas principais classes de ativos a serem consideradas pelos fundos de pensão nesse cenário, acredita Lovisotto, serão o crédito privado e a renda variável. “Pode ser o momento de avaliar oportunidades em infraestrutura, desde que os projetos tenham estratégias bem desenhadas, priorizando concessões com elevadas taxas de retorno, prazos e condições compatíveis com os passivos dos fundos de pensão”. Ele também vê espaço para analisar estratégias de renda variável mais ativas, não atreladas ao Ibovespa ou ao IBX. ( Martha E. Corazza )