A decisão de adotar ou não perfis de investimento nos planos de benefícios tem sido discutida de maneira crescente pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Educação financeira e comunicação permanente com os participantes são tópicos essenciais para o sucesso desse modelo, entre outros pontos destacados por gestores e consultores. A experiência nacional e as práticas internacionais foram discutidas em seminário organizado pela Funpresp-Exe este mês, reunindo especialistas no assunto.
Com menos de quatro anos de vida e uma velocidade de crescimento acima da média, a Funpresp-Exe já identificou a necessidade de avaliar a possível oferta de perfis aos seus mais de 34 mil participantes. Para isso, a entidade criou um Subcomitê de Perfis de Investimento e elaborou estudo sobre a experiência de 20 Entidades Fechadas de Previdência Complementar que já oferecem perfis no Brasil.
“Queremos conhecer a experiência de outras entidades no Brasil e também internacionalmente, até porque a Funpresp-Exe foi inspirada pelo modelo do maior fundo de Contribuição Definida do mundo,o Thrift Savings Plan (TSP), dos funcionários públicos federais dos EUA, para em seguida definir se adotaremos perfis e como isso será feito”, explicou o diretor presidente da entidade, Ricardo Pena.
A oferta de perfis ainda conta com pouca normatização por parte da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), o que é natural dentro de uma visão que estimula o processo de autorregulação e o desenvolvimento de produtos, explica o diretor de Análise Técnica da Previc, Carlos Marne. “ A partir do momento que o Estado entender que há necessidade de um padrão mínimo, entrará com a normatização”.
A proposta de regulamentação dos perfis, lembra Marne, inclui a constatação de que os planos CD e CV poderão oferecer perfis com exposição a riscos diferenciados; terão uma política de investimentos para cada perfil; deverão orientar os participantes a instituir procedimentos que permitam verificar a adequação da opção ao perfil escolhido;identifiquem as frações ideais do patrimônio afeto a cada perfil;demonstrem a existência de mecanismos de controle interno suficientes para garantir a segregação dos recursos e evitem denominações de perfis que gerem falsas expectativas.
Educação e comunicação - A prática internacional reconhece hoje que a oferta de um número muito grande de perfis pode criar dificuldades para os participantes dos planos. “Os perfis ajudam a adequar as características de investimento às diferentes necessidades dos participantes, tornando o plano mais atrativo, porém, quando há muitas opções as decisões ficam mais difíceis e as escolhas nem sempre são ótimas”, diz o consultor da Mercer, Raphael Santoro. Outra constatação é a de que as decisões da patrocinadora têm impacto direto no comportamento dos participantes.
Os motivos que levam uma entidade a optar pelos perfis levam em conta principalmente a diversidade das características dos participantes, enfatiza o consultor da Willis Towers Watson, Arthur Lencastre. Ele lembra que os participantes diferem em questões como a idade, a importância relativa da aposentadoria complementar sobre a sua renda total e a tolerância ao risco de perda num dado prazo. A oferta de perfis melhora a qualidade dos benefícios das patrocinadoras sob a perspectiva de seus funcionários, sublinha Lencastre: “Os perfis criam oportunidades para o participante se capitalizar de acordo com suas necessidades”.
A educação financeira e a comunicação são fundamentais para o sucesso do plano, lembra Santoro. Pesquisa feita pela Mercer junto aos seus clientes no sistema brasileiro de fundos de pensão, em 2015, mostrou que 52% ainda não ofereciam perfis de investimento, 34% já ofereciam, 2% não ofereciam mas já estavam implementando e 12% pretendiam avaliar a possibilidade. Entre os que já oferecem perfis, 46% mantém três opções, 36% deles tem quatro opções e apenas 9% trabalham com mais de quatro perfis.
Embora essa oferta ainda seja pequena, o interesse demonstrado pelas EFPCs tem sido crescente, explica Santoro. Os desafios passam pelas três fases do processo: definição, implantação e manutenção. É preciso definir quantos perfis oferecer, quais as políticas de investimento, com atenção inclusive aos assistidos; e as restrições que serão eventualmente feitas às escolhas dos participantes. Além disso, é necessário ter uma estrutura de investimentos adequada para a implantação tanto do ponto de vista de custos quanto de liquidez; ter um plano contínuo de comunicação e de educação financeira e fazer a revisão dos perfis de acordo com o mercado e os participantes, entre outros desafios. O sucesso dependerá de uma estrutura adequada; monitoramento, educação e comunicação.
Entre os desafios, Lencastre destaca a definição do nível de benefício desejado, aspecto primordial para a tomada de decisão sobre o nível de risco na gestão de investimentos. “O nível de benefício desejado varia de acordo com a população e com o propósito do plano, podemos dizer que essa projeção está para os planos CD assim como o ALM está para os planos BD”.
Diferentes possibilidades - O estudo elaborado pela Funpresp-Exe traça o panorama dos perfis a partir de informações fornecidas por 20 EFPCs, abordando os modelos adotados (estilo ou ciclo de vida), a aceitação dos participantes, a segurança jurídica e o sistema utilizado para gerenciar os perfis. Um ponto crucial, enfatiza a publicação, é compreender as diferentes reações das entidades considerando as características de suas massas de participantes.
O resultado aponta que a maioria das entidades opta por diferentes combinações de perfis de “estilo de vida”, em detrimento ao “ciclo de vida”. Apenas uma fundação, entre as 20 consultadas, oferece uma categoria de ciclo de vida, os target dated funds. Outra oferece uma combinação entre a oferta de “estilo de vida” com uma opção de perfil baseado em “ciclo de vida”. Uma terceira entidade planeja incluir também um perfil de “ciclo de vida” e uma quarta fundação revelou que teria optado pelo modelo de ciclo caso tivesse desenhado seus perfis em outro momento.
Ainda segundo o trabalho, não há consenso sobre o uso de consultoria externa: “Muitas entidades costumam desenvolver seus projetos internamente e não sentiram a necessidade de uma opinião externa. As que contrataram consultoria, optaram por escopos distintos. Algumas apenas para desenvolvimento dos modelos ou para criação da área de educação previdenciária e financeira. Outras entidades contrataram apenas a adaptação dos sistemas de tecnologia”. Já no que diz respeito à comunicação com os participantes, a constatação é de que ela está intrinsecamente ligada à implementação de perfis de investimento.
O estudo revela que as entidades têm feito um bom trabalho e existem raros questionamentos de participantes neste sentido. “A maior preocupação é orientar os participantes quanto à conjuntura de mercado. Em alguns casos, o impacto das movimentações de mercado sobre o desempenho das reservas motivou até a criação de novas opções de perfis”.
A conclusão é de que a implementação envolve diversas etapas e diferentes atores. A começar por um forte programa de educação financeira e previdenciária, passando pelo desenho do modelo, que pode envolver uma consultoria externa ou não, mas sempre com o envolvimento da equipe de investimentos e de comunicação.
Simplicidade e escala - O modelo do TSP norte-americano, com 30 anos de vida e hoje com um número total de participantes que supera os 4,9 milhões, prima pela simplicidade, pela gestão passiva dos investimentos e pela valorização da economia de escala como os seus três pontos fortes, observou a diretora de Planejamento do plano, Renée Wilder Guerin. O TSP atua desde 2010 no modelo de adesão automática (os participantes podem sair nos primeiros 90 dias depois da adesão), com uma contribuição inicial obrigatória de 3% e um sistema de contribuições feitas pelo governo federal, que administra o plano.
Desde setembro de 2015, as contribuições são investidas no modelo ciclo de vida ou target date, com cinco fundos que podem ser escolhidos pelos participantes de acordo com sua data estimada de saída do plano. As políticas de investimento variam desde as mais agressivas, com maior alocação em ações, até as mais conservadoras, à medida que o horizonte de saída do participante fica mais próximo e a renda fixa atinge maior percentual.
Suitability - A Instrução CVM nº 539/2013, que procura assegurar a adequação dos produtos e serviços aos diversos perfis dos investidores, foi destacada pelo superintendente de Proteção e Orientação aos Investidores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), José Alexandre Vasco. Ele ressaltou ainda aspectos regulatórios como a Autorregulação nesse mercado e o plano de Supervisão Baseada em Risco.
A Instrução 539 trata do dever de verificar a adequação dos produtos e serviços ao perfil dos clientes (suitability) no âmbito dos valores mobiliários e consolida procedimentos a serem seguidos por agentes de distribuição e consultores de valores mobiliários em relação aos seus clientes, os investidores. As EFPCs estão listadas pela Instrução na categoria Investidor Profissional, ao lado de seguradoras e sociedades de capitalização, instituições financeiras, fundos de investimento, pessoas físicas e jurídicas com investimentos financeiros acima de R$ 10 milhões e outros.
No modelo de autorregulação que rege o mercado, por meio do Código de Regulação e Melhores Práticas da Anbima, Vasco enfatizou que, diferentemente da Instrução 539, as normas de autorregulação vem aprofundar e exemplificar os critérios de classificação de produtos complexos. Nesse ambiente, o suitability é tratado como um dos temas avaliados durante as auditorias operacionais periódicas e fiscalizações de participantes. ( Martha E. Corazza )