Transparência e boas práticas de governança são – ou ao menos deveriam ser – fundamentais para os investidores dispostos a alocar seus recursos no mercado acionário. No Brasil, o aprimoramento das práticas das companhias listadas em Bolsa tem sido capturado pelos segmentos especiais de negociação da BM&FBovespa – Novo Mercado e Nível 2 - que passam atualmente por uma terceira tentativa de reforma em seu regulamento (as duas revisões anteriores ocorreram em 2006 e em 2011). Até o dia 6 de janeiro de 2017, a Bolsa receberá comentários à minuta de proposta que elaborou a partir da primeira audiência pública sobre o assunto, entre junho e setembro deste ano. A expectativa dos investidores é de que novos avanços venham cobrar maior compromisso das empresas, até para ajustar a realidade do mercado às demandas crescentes de boas práticas corporativas.
Até janeiro, companhias, investidores e entidades do mercado tentam encontrar um ponto de equilíbrio para algumas questões onde ainda existem divergências. Na avaliação da diretora de Regulação de Emissores da BM&FBovespa, Flávia Mouta, apesar das críticas ao limitado avanço do Novo Mercado desde sua criação, esse segmento configura um claro exemplo de boas práticas de governança corporativa: “Em 2016, finalmente conseguimos ver reconhecida a importância do Novo Mercado, ficou claro que ele está num novo patamar de reconhecimento e há a percepção de que manter as suas práticas é importante para o mercado acionário como um todo, ou seja, o debate precisa que todos ponham a mão na massa para garantir novos e maiores avanços”. Assegurar isso, diz a diretora, não é importante apenas para as companhias que dele participam ou para investidores individualmente, mas para todo o conjunto do mercado.
Remuneração polêmica - Entre os pontos mais polêmicos que têm elevado a temperatura da discussão entre representantes das companhias e dos investidores estão, por exemplo, as regras para saída voluntária das empresas do Novo Mercado e a obrigatoriedade da divulgação da remuneração dos administradores. No caso da remuneração, a proposta da Bolsa traduz simplesmente o requisito legal feito pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da Instrução CVM 480, e exige que as companhias divulguem a remuneração mínima, média e máxima de seus conselheiros e diretores. Entretanto, grande número de companhias tem utilizado uma decisão judicial (obtida pelo Instituto Brasileiro de Executivos Financeiros -Ibef Rio) que dispensa os associados de cumprir a norma da CVM.
O mais recente levantamento feito pelo consultore especialista em governança corporativa, Renato Chaves, mostra que entre as 100 companhias mais líquidas negociadas na Bovespa, 35 se valem dessa decisão para não divulgar a remuneração de seus executivos. A expectativa era de que o regulamento do Novo Mercado, que precisa representar um diferencial importante de governança, deveria impor maior rigor a esse quesito de transparência. “Houve recuos da Bolsa em alguns aspectos, como no caso da remuneração, eles evitaram entrar em polêmica com as companhias para tornar o novo regulamento mais palatável”, analisa Chaves.
Se a proposta for aprovada do jeito que está, diz o consultor, o Novo Mercado terá companhias com níveis diferentes de transparência, ou seja, algumas poderão decidir divulgar em detalhes a remuneração enquanto outras seguirão apenas a lei, o que foge ao objetivo primordial do segmento que é justamente estabelecer padrões de transparência para todas as companhias que dele participam. “Do ponto de vista formal do Novo Mercado isso é muito ruim e os investidores irão tentar derrubar essa proposta; se já há uma reação negativa por parte dos investidores locais, os estrangeiros entram em parafuso diante desse tipo de “jeitinho” brasileiro para fazer aprovar uma proposta”, diz o especialista.
Saída voluntária - Outro recuo que deverá ser discutido com maior profundidade diz respeito às regras de saída voluntária das companhias do Novo Mercado. A proposta da Bolsa apresenta a redução do quórum de 50% para 40% dos titulares das ações em circulação e adoção do procedimento previsto pela Instrução CVM 361. Ou seja, a saída voluntária será aprovada pela Bolsa caso seja precedida de Oferta Pública de Ações (OPA) ou se houver concordância expressa sobre essa saída por parte dos acionistas titulares de mais de 40% das ações em circulação.
“Esse é outro recuo bastante negativo para os investidores, um quórum de dois terços seria fundamental para reforçar o compromisso da companhia em relação a sua permanência no Novo Mercado, demonstraria mais cabalmente que a companhia entrou no segmento para ficar”, analisa Renato Chaves. Quando reduz esse quórum para 40%, o regulamento pode facilitar a saída de companhias com controle disperso. As regras de saída, argumenta Chaves, deveriam ser um tema debatido no âmbito dos Conselhos de Administração das empresas, até porque refletem uma postura da companhia perante o mercado. “No entanto, o assunto tem ficado restrito ao nível das diretorias executivas e levado mais para o lado operacional”.
Debate mais focado - A versão do novo regulamento, a ser levada em março de 2017 à etapa seguinte, de audiência restrita, já deverá ter dirimido os principais pontos de dúvida e será mais focada, acredita Flávia Mouta. Os novos itens que foram acrescentados, como a regra de dispersão acionária (com dispensa nas ofertas ICVM 476 - IPOs e follow ons) são um reflexo da riqueza dos debates até agora, avalia a diretora. Além disso, foi incluída a vedação ao varejo em ofertas de companhias pré-operacionais e regras relativas a casos de reorganização societária em que, se as empresas resultantes não integrarem o segmento, a operação precisará ser aprovada pela maioria do free float.
A minuta de proposta, assegura Flávia Mouta, olhou cada uma das contribuições feitas e voltou a apreciar o texto para verificar se era possível atender aos pleitos. “Modificamos muita coisa no texto original para atender a essas sugestões. “No que diz respeito aos fundos de pensão, interagimos com a Abrapp, que enviou sugestões, e diretamente com algumas entidades fechadas de previdência complementar, que participaram das discussões e do workshop sobre o assunto”, informou a diretora. ( Martha E. Corazza )