Economista propõe troca de impostos por obras públicas

Segundo Raul Velloso, ideia, inspirada em um programa utilizado no Peru, seria uma saída para evitar o colapso dos investimentos

21 de setembro de 2020 | 05h00RIO DE JANEIRO - Um mecanismo para financiar obras públicas criado no Peru, e adotado de forma isolada em alguns projetos no Brasil, poderia ser a solução para evitar o esmagamento dos investimentos públicos. A proposta é do consultor econômico Raul Velloso especialista em finanças públicas, preocupado com os rombos bilionários dos Estados com a Previdência dos servidores e com o discurso, difundido entre economistas do mercado financeiro, de que o teto de gastos públicos precisa ser mantido a ferro e fogo.

 A ideia é financiar projetos de obras, especialmente de infraestrutura, por meio de certificados emitidos pelos Tesouros, municipais, estaduais ou Nacional. Os certificados valeriam para pagar qualquer tributo no futuro. Assim, as empresas executoras das obras, selecionadas por licitação, fariam os investimentos com recursos próprios ou financiados, e, depois, abateriam os valores, recebidos em certificados, do pagamento de impostos no futuro.

 Os certificados poderiam ser emitidos ao longo de etapas de execução das obras. Assim, poderiam ser usados também no financiamento, pois a empresa executora poderia vender os certificados para um terceiro, financiador, que então usaria os papéis para pagar seus impostos no futuro.

 No Peru, o mecanismo, batizado de Obras por Impuestos, foi criado em 2008, segundo o site da ProInversión, a Agência de Promoção do Investimento Privado do país vizinho. A iniciativa tem funcionado por lá, diz Velloso. Aqui no Brasil, conforme o consultor, algo semelhante já foi usado na Prefeitura de São Paulo – para investimentos na zona leste da capital, em 2004 – e no governo de Minas Gerais – para investimentos em estradas, usando incentivos tributários para o setor sucroalcooleiro, em 2018.

 Como as obras não seriam custeadas por despesas previstas nos orçamentos, os investimentos não ficariam sujeitas ao teto de gastos. “Estou me inspirando no salário-família”, diz Velloso. O benefício assistencial doINSS, pago aos empregados com carteira, de acordo com o número de filhos e até um limite de renda, é pedido pelo trabalhador diretamente para o empregador, que faz o pagamento. Depois, o empregador abate o valor da contribuição patronal que tem a pagar ao INSS. “Por que o investimento não pode ter o mesmo tratamento?”

 Atrasos

A retirada do gasto com os investimentos nessas obras do Orçamento, usando os certificados, também resolveria outro problema, diz Velloso: os atrasos de cronogramas. Muitas vezes, os atrasos nas obras ocorrem por causa do ritmo de pagamento. Como os orçamentos públicos são anuais, quando um projeto leva mais de um ano, é comum haver interrupção no fluxo de pagamentos, o que leva as construtoras a suspenderem os trabalhos.

 Velloso não propõe a criação do mecanismo como panaceia. Os certificados não poderiam ser usados em qualquer obra nem de forma ilimitada – o que, na prática, poderia permitir aos governos expandirem os gastos públicos na construção de “elefantes brancos” ou com obras inacabadas e comprometerem receitas futuras. Os projetos seriam selecionados com rigor, conforme a prioridade, e os valores seriam limitados ao espaço fiscal dos governos.

 Para abrir espaço fiscal nas contas desequilibradas dos Estados, o consultor propõe que o novo mecanismo seja adotado em combinação com outra proposta que vem defendendo há alguns anos, para equacionamento dos déficits com a Previdência dos servidores, num processo liderado pela União. Se nada for feito, diz, os investimentos públicos desaparecerão. “Se continuar do jeito que está, não vai ter dinheiro para investir e não tendo investimento a economia não cresce.”

 Segundo o economista, o governo paulista, que encerrou 2019 com um déficit de R$ 22 bilhões na Previdência dos servidores, poderá ser obrigado a zerar os investimentos em torno de cinco anos. Os investimentos públicos estaduais já caíram de R$ 18 bilhões, em 2013, para R$ 10,3 bilhões no ano passado. Segundo Velloso, o cenário, ruim para o Estado mais rico do País, é pior ainda nos demais. No agregado, os Estados fecharam 2019 com déficit previdenciário de R$ 111 bilhões, calculou o consultor.  

A proposta para o equacionamento dos déficits previdenciários dos Estados passa pela criação de fundos de pensão autônomos para os servidores estaduais, como há nas principais estatais. Alguns Estados já criaram fundos do tipo, mas apenas para funcionários novos. Os novos fundos cuidariam das pensões de todos os inativos e poderiam ser capitalizados com imóveis ou ações de empresas estatais, entre outros ativos. (O Estadão)