A extensão das dificuldades sentidas na economia, por um lado, e a falta de uma política de governo que estimule mais fortemente o patrocínio e a instituição de planos de benefícios por empresas e entidades de classe, por outro lado, emprestam ainda maior urgência à luta da Abrapp para alterar um quadro desfavorável hoje ao crescimento do sistema fechado de previdência complementar. Independentemente de qual seja a notícia do momento, que pode ser a retirada de uma patrocinadora ou mais um dia em que a saída supera o ingresso de recursos nas entidades, é inegável, dizem especialistas, que uma reação a essa situação não pode tardar.
Os mesmos especialistas garantem que essa reação não é assunto que diga respeito apenas aos agentes mais de perto interessados no sistema, sejam participantes, dirigentes, patrocinadoras, instituidores e fornecedores de serviços. O interesse é do próprio País, da sociedade brasileira e o que se espera é que formadores de opinião cada vez em maior número verbalizem isso.
Interessa ao País - “A expansão da Previdência Complementar e da poupança de longo prazo não deve interessar apenas aos respectivos participantes e poupadores, uma vez que isso é algo do interesse nacional”. Essa observação é uma das mais significativas entre as muitas revelações de um estudo contratado pela Abrapp ao Instituto de Economia Brasileira (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas, no intuito de subsidiar a formulação de propostas que estão sendo apresentadas com o objetivo de favorecer o crescimento do Sistema Fechado de Previdência Complementar e da poupança que este forma, em seu duplo papel, o social e o econômico. O documento já ganhou a sua versão final e estará sendo levado pela Abrapp aos interlocutores no governo ao longo desse primeiro semestre de 2016, na expectativa, lembra o Presidente José Ribeiro Pena Neto, de que essas autoridades, persuadidas pela riqueza de números e argumentos contidos no estudo, assumam o protagonismo e ajudem a reverter o quadro desfavorável atual.
O economista José Roberto Afonso, do IBRE-FGV e Coordenador do estudo, intitulado “Previdência Complementar e Poupança Doméstica: Desafios Gêmeos no Brasil”, aponta as razões dessa importância da poupança previdenciária para o País como um todo: “ A maior cobertura da Previdência Privada desafogará a Previdência Social e permitirá ao Estado brasileiro, de um lado, gastando muito menos, ampliar a rede de proteção social a brasileiros que hoje possuem nenhuma ou mínima cobertura previdenciária para se valer no futuro e, de outro lado, canalizando uma poupança estável e de longo prazo para financiar grandes projetos, mais uma vez, dispensar o próprio governo de precisar oferecer desonerações tributárias e crédito público subsidiado”.
Para o IBRE, é possível ser otimista porque há um enorme potencial a ser explorado, ainda mais diante das novas características do mercado de trabalho brasileiro, onde a “pejotização” (transformação de trabalhadores, muitos deles com renda superior a 7 salários mínimos, em pessoas jurídicas geralmente sem empregados) favorece o surgimento de uma demanda mais forte dessas pessoas físicas desprotegidas por proteção previdenciária. “É premente que o sistema de Previdência Complementar Fechado e as autoridades econômicas e previdenciárias tracem e persigam uma estratégia para equacionar simultaneamente os dois desafios gêmeos: o de aumentar a poupança doméstica e consolidar a previdência complementar no País”, resume o estudo.
Os estudiosos detectaram um mercado potencial de 3,7 milhões de brasileiros com renda e que se encontram na faixa etária recomendada para ingresso na Previdência Complementar. Se metade desse público aderir, até o ano 2025 se terá acumulado R$ 350 bilhões, recursos essenciais para a economia do país, para a retomada dos investimentos de longo prazo e crescimento dos mercados financeiro e de capitais.
A verdadeira poupança previdenciária - Valendo notar que a vertente fechada da Previdência Complementar é a única que pode de fato oferecer a contribuição de que o País precisa, de vez que as pessoas permanecem em média nos planos 14 anos e já há mais de 700 mil brasileiros gozando de suas aposentadorias ou recebendo outros benefícios pagos por fundos de pensão, que assim cumprem de fato uma missão previdenciária. Outras opções oferecidas, com duration de apenas 6 meses, são muito mais produtos financeiros e que se prestam a outras finalidades que nada ou muito pouco tem a ver com previdência.
Para o economista Paulo Vales, que juntamente com Afonso produziu o estudo, caso se pense a sério em fomento faz-se mais que necessário modernizar a regulação. As práticas de Estado que hoje envolvem regulação e fiscalização “são extremamente complexas”. Isso é algo que diz respeito tanto à fiscalização quanto à responsabilização.
O estudo diz taxativamente que ninguém aqui defende facilitar o cometimento de irregularidades, através do afrouxamento do ato fiscalizatório. Nada disso. “O que se prega é um aparato que não desestimule a grande e média empresa privada e associações de classe a montarem planos próprios, pelo excesso de responsabilização”, diz o trabalho do IBRE.
Diferença de tratamento - Na previdência complementar, recai apenas sobre a vertente fechada, justo a única que forma a poupança estável de longo prazo de que o País tanto precisa, um tratamento regulatório muito mais rigoroso. E isso não faz sentido, sendo o Brasil tão carente de fontes de recursos capazes de atualizar a sua infraestrutura e modernizar a sua economia. O estudo do IBRE vai diretamente ao ponto: “As condições de concorrência da previdência aberta são inegavelmente muito mais competitivas do que as oferecidas pela previdência fechada”. Isto é, os produtos desta última podem ser adquiridos de forma mais rápida e de maneira mais simples, ao mesmo tempo em que podem vir a envolver mais a longo prazo menor carga de responsabilidade para a empresa que patrocina.
O trabalho aponta ainda a ausência de sentido em se exigir a mesma documentação e submeter a um processo de fiscalização complexo planos e entidades de diferentes portes. Tampouco faz sentido submeter o conjunto do sistema não apenas a uma legislação extensa, mas também a uma regulação que passa por diferentes órgãos de diversos ministérios. A lista é imensa, lembra o IBRE: não apenas o Ministério do Trabalho e Previdência e seus organismos, mas também os ministérios da Fazenda e do Planejamento, todos interferindo e intervindo, de variadas formas, na rotina dos fundos de pensão. A conclusão é clara: é preciso repensar. ( Jorge Wahl )