As duas leis estaduais – Lei nº 18.573, do Estado do Paraná, de 30/09/2015 e Lei nº 7.174, do Estado do Rio de Janeiro, de 28/12/2015 – que entraram em vigor este ano e tratam da incidência do ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação) sobre os benefícios da previdência complementar fechada não são aplicáveis aos planos administrados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar. A avaliação foi feita pela advogada tributarista Patrícia Linhares, em parecer jurídico elaborado sob solicitação da Abrapp. O ITCMD, segundo as duas leis que vieram modificar o entendimento vigente até então, incidiria sobre o pagamento de rendimentos a terceiros, em razão de falecimento de participante titular do plano de benefícios de caráter previdenciário. “A origem desse imposto é constitucional e está fundamentada na transmissão de bens e direitos, o que significa que precisaria estar configurada a relação de transmissão desses bens e direitos entre os participantes dos planos e seus beneficiários, o que não acontece no sistema de EFPCs”, explica a advogada.
Isso porque, no caso das pensões pagas pelos planos de previdência complementar fechada, não existe em essência uma relação direta e concreta obrigatória de transmissão do participante para os seus herdeiros.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 155, I, diz que compete aos Estados e Municípios instituir o imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) mas para isso exige que seja configurada a transmissão de propriedade que envolva bens ou direitos. Ao mesmo tempo, a Constituição, em seu artigo 146, atribui à Lei Complementar a competência para estabelecer as normas gerais em matéria de legislação tributária.
“De acordo com a Lei Complementar nº 109, em caso de falecimento do participante o direito adquirido não é transmitido obrigatoriamente, é preciso que seja criada uma nova relação entre a EFPC e o beneficiário desse participante, o que torna inexistente o fato gerador do imposto de transmissão”, afirma Linhares.
“A mobilização dos estados para instituir o ITCMD na transferência de reservas previdenciárias demonstra a intenção do fisco, que já notamos há algum tempo, de exigir a retenção das entidades, mas não há incidência tributária prevista”, lembra o diretor Jurídico da Abrapp, Luís Ricardo Marcondes Martins. Ele observa que a questão tem sido debatida inclusive pela Comissão Técnica Nacional de Assuntos Jurídicos da Abrapp e o parecer emitido por Patrícia Linhares deverá oferecer subsídios importantes para destacar a ilegalidade de uma eventual tentativa de incidência sobre as reservas dos planos fechados.
Naturezas distintas - Nos casos desses movimentos estaduais, tanto no Paraná quanto no Rio de Janeiro, os legisladores quiseram buscar uma transmissão de bens e direitos que seja vinculada ao patrimônio dos participantes mas, como ressalta Patrícia Linhares, no caso da previdência fechada a relação previdenciária é diferente. “De acordo com o artigo 32 da LC 109, a entidade só pode administrar as reservas previdenciárias, seja para o participante seja para os seus beneficiários, e essa administração não tem a natureza de gestão de patrimônio, como ocorre por exemplo nas instituições financeiras”. O fundo de pensão, portanto, não transfere patrimônio, mas uma mera expectativa de complementação de pensão. Historicamente, lembra a advogada, as EFPCs nunca participaram da incidência desse imposto e o entendimento de que elas devem fazer a retenção do ITCMD no momento do pagamento das reservas previdenciárias implicaria em ônus excessivo, com custos operacionais substanciais que não cabem às entidades. Elas teriam que arcar com o custo de avaliar se aquele valor é devido ou não, avaliar as relações familiares e de herdeiros, identificar herdeiros em todo o território nacional, etc.
Na opinião de Linhares, aparentemente os legisladores não estavam se dirigindo às EFPC, uma vez que nesse sistema não há transferência de bens ou direitos. Ela destaca ainda que “toda doutrina que trata da previdência fechada demonstra claramente que há autonomia entre os dois tipos de relações: as do participante com a EFPC e as do beneficiário com a EFPC”. Diante dessa constatação, ainda que as leis estaduais fizessem referência específica às entidades fechadas, o entendimento jurídico é de que haveria uma limitação constitucional para a sua aplicabilidade e, portanto, a incidência seria inconstitucional. “Até porque o beneficiário figura como pensionista, o que significa uma nova relação, e além disso a natureza dos recursos envolvidos é previdenciária”.
Para Luís Ricardo Martins, os legisladores não visaram os fundos de pensão mas tiveram como objetivo atingir as reservas da previdência aberta por considerarem que esses planos são muitas vezes utilizados como mecanismo de sucessão. “O Estado quer tributar essas transferências por compreendê-las como elementos do processo sucessório, mas é preciso deixar claro que no sistema fechado a natureza dos recursos é outra”.
Até o momento não foi identificada qualquer retenção feita por EFPC dentro da nova previsão legal nos dois estados, informa Linhares. A opinião legal emitida a pedido da Abrapp veio trazer um entendimento uniformizado à questão e oferecer subsídios para as EFPCs enfrentarem qualquer tentativa de incidência desse imposto. “De todo modo, a recomendação que fazemos é no sentido de que cada entidade providencie uma avaliação própria para decidir se deve ou não fazer a retenção e as consequências que isso poderá trazer”, alerta Linhares.
A íntegra do parecer jurídico sobre o ITCMD está disponível para download pelas associadas, conforme circular enviada ao quadro associativo. ( Martha Elizabeth Corazza )